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sexta-feira

TETRO 

Um filme de Francis Ford Coppola
A preto e branco sombreando a realidade da vida e a cores as memórias e recriações. As mais belas imagens do lado negro de Buenos Aires e das montanhas geladas da Patagónia. Mistérios de família que ele quer esquecer, de que foge e que de tão dolorosos levam à locura. Mas...como nos contos também na vida há quem nos trate da alma. Médica, anjo bom que oferece um amor incondicional a quem deixou já de acreditar, bálsamo para todas as dores.
Vê chegar o irmão mais novo, que o procura obstinado para obter a razão da fuga e da promessa não cumprida de regressar depois de partir para se encontrar. Para o tratar com fria distância. Talvez por repulsa de descobrir os sentimentos próprios de um pai e não de um irmão.
A verdadeira razão reside, no entanto, nas rivalidades e amores escondidos. Nas frustações de um génio que vive na ambivalência de uma vida na sombra e da necessidade do sucesso.
Este acaba por vir, no entanto, pela mão daquele que o procura como irmão e vem acompanhado das luzes de flashs e camaras de tv que captam todas as indiscrições. Como no momento mais intimista em que a verdade é revelada e todos os sentimentos estão à flor da pele.
Com a verdade a familia desmoronada ganha uma nova forma, o afecto ganha espaço e um novo começo torna-se possivel.

domingo

O LEITOR 

Quando se cruza a descoberta do Amor aos 15 anos com o desencanto da vida aos 35, não se está perante um romance de tons rosa, mas de algo que pode trazer dependências e jogos desencontrados para o resto das vidas. Isso se passou. E se instalou na vida daquele miudo como um doce muito amargo que não saboreou até ao fim do boião. Aquela mulher se lhe ofereceu e dele se afastou sem mais. O sofrimento rasgou-o e fêz-se ao mundo fechado em si. Mas estudou, em juiz se transformou, casou, procriou. Fechado em si. Até que a reencontrou, a acompanhou na desgraça, sempre à distância e compreendeu-a e perdoou-a. E descobriu-lhe o segredo que lhe roubou a liberdade. Esse segredo que foi o fardo da vida dessa mulher, cujo excesso de zelo contra ela se voltou. Em fuga permanente do seu passado, também futuro não havia para quem não sabia ler nem escrever. Um analfabetismo envergonhado que se alimentava das leituras que os outros lhe entregavam como peças de amor cantadas ao seu ouvido. Roubou vidas, encarcerou irmãs, não por ser nazi, fria e calculista, nem para servir uma causa, mas tão só porque era o que se esperava dela. E não era preciso ler nem escrever! Nos outros ganha pãos, os prémios do bom desempenho iam sempre parar ao lápis e papel. De que ela fugiu, aceitando ser carcereira para ganhar a vida. Apesar da sociedade pós-guerra a ter fechado 20 anos na prisão das grades e do arrependimento ele a entendeu e a aceitou, pois afinal Amor lhe tinha e Amor lhe deu . Passados 20 anos das primeiras leituras lhas envia gravadas em voz. Só podem ser cassetes de amor, daquele que se sabe que se tem pelo prazer de dar ao outro! No fim do corredor da esperança, na prisão, ela renasceu. Até que se apagou do mundo, talvez por não poder apagar as dores que aos outros causou na sua passagem por esta vida, chegando à sua forca subindo para cima da pilha dos livros que aprendeu a decifrar no isolamento da prisão.

sábado

O AR QUE RESPIRAMOS 

Momentos. Encontro íntimo com almas a tocarem a FELICIDADE, a gozarem o PRAZER ou a iludirem a TRISTEZA. Enredam-se uns nas estórias dos outros, sem saberem, sem se conhecerem, sequer. Mas estão todos lá, como uma orquestra harmoniosa do destino, colocados como peças de xadrez, no tabuleiro da vida. Episódios que se entrecruzam num jogo de espelhos que deixam espreitar a alma através de uma estrada de cicatrizes. Percorridas na infância. Porque a culpa, a frustração, o vazio e o medo que se traz das raízes, desenham traços irreversíveis no mapa da vida.
Educado na infância para o estudo, o trabalho e as obrigações, como o caminho para a FELICIDADE, em adulto esquece-se de viver. Afundado no esquecimento de si mesmo, um dia a borboleta da mudança dá-lhe asas. Contrariando "a rotina que impede a mente de vaguear" vem a encontrar a felicidade quando trilha a transgressão e exercita o poder que, afinal, todos têm com uma arma na mão. Que lhe foi depositada por alguém, para que a usasse de forma libertadora. Consegue morrer com um último sorriso feliz e uma gargalhada vingadora.
Alguém feito de gelo, da culpa de ter deixado para trás o seu pequeno melhor amigo. Que passou a praticar o mal, a mando, para magoar e ser magoado. Que por prever o Futuro vive sem graça sabendo o Amanhã. Alguém que só se vem a libertar quando vê, em forma de capa de disco, aqueles grandes olhos verdes de carícia e que lhe embaciam a visão do futuro. Sem legendas, deixa-se apanhar e é massacrado, sem reacção. E é com um sorriso embrulhado numa alegre gargalhada que é atendido por um médico a precisar de salvação. Ouve-se o seu pensamento: PRAZER, prazer supremo em ser surpreendido pela vida. Alguém que se liberta quando faz o bem por outro. Com grandes olhos verdes e que o destino lhe trouxe sem pré-aviso. E que carregam a TRISTEZA do mundo, de uma vida artificial, pública, sem governo e sem sentido. Cheia de uma alegria postiça, salgada de tantas lágrimas de bastidor. Objecto dos caprichos de um implacável mandante, à mercê, sem o pai-confidente, porto seguro perdido mesmo antes de completar a primeira década.
O PRAZER e a TRISTEZA são almas marcadas para se encontrarem ao longo dos tempos. Nesta vida e nesta história ele morre para a salvar, dissimulando e traindo confianças. Deixa-lhe a semente de um filho, mas parte sem lhe retirar a condição de refém.
Há porém quem a salve da tristeza e lhe devolva a esperança. É, também, quem lhe salva a vida no momento em que embrulhada no tule branco noiva de um lençol se despedia do mundo na esquina de um telhado.
E ela salva-o a ele, àquele mesmo médico que tempos atrás recebeu a gargalhada do seu amado à chegada do hospital. Salva-o e ele, porque a raridade do seu sangue é a única e última hipótese de bombear o coração quase apagado da mulher que ele sempre amou e não soube guardar para si.
Confuso como os nós a que vida nos amarra!

quinta-feira

SEDA 

Seda é um filme macio. Escorrega-se nele pelas estepes geladas e pelas dunas sedosas, vezes multiplicadas, tantas quantas as viagens pela busca de casulos através de um mapa mundi do séc. XIX, a trote, dentro de charrettes e de naus de contrabandistas.
Ovos minusculos que valem ouro e que representam o trabalho e o alimento das fábricas por onde se escapam as colunas de fumo escuro, como o dos canos das espingardas em que o nosso herói não quer pegar, preferindo viver a emoção dessas viagens ao inferno da guerra.
Não lhe falta amor em casa, nem o futuro dos sonhos por cumprir, mas no longínquo Japão encontra um olhar de amêndoa carregado de erotismo que só ele acha que sabe ler. Abre esse livro em cada viagem e sofre da febre da culpa em cada regresso.
Grande engano. O verdadeiro, incondicional amor morava próximo, muito próximo. Dentro da mulher que tudo adivinhou e tudo calou. Daquela que partiu cedo demais deste mundo, deixando como herança o jardim para cuidar e o segredo da sua sabedoria como um amor eterno que ficou por viver.

segunda-feira

O SONHO DE CASSANDRA 

Woody Allen abandona o paradigma da comédia mas não o humor que nos faz sorrir a cada esquina do drama.
Uma trama bem urdida, uma história bem contada, uma teia que vai envolvendo até ao imprevisto desfecho final.
A nu fica a crueza das relações humanas e como os laços de sangue por vezes de nada valem. Dois extremos, dois irmãos. De um lado o egocentrismo e a ambição que tudo corroi à sua volta e do outro a fraqueza que abre caminho à culpa e à loucura. Porque quando há escrúpulos a culpa acaba por gritar dentro da cabeça. A culpa de matar para obter favores e como forma de comprar uma solução para dívidas do jogo mal jogado de uma vida de suburbios.
A resolução dos problemas pessoais dos dois irmãos conseguida através da morte de um ser humano vem pela mão de outro familiar que lhes encomenda esse "pequeno favor". O tio rico e invejado, apontado como modelo de uma vida bem sucedida, é afinal uma falácia. O seu império não sobrevive às denúncias que vai ter que calar.
E o irmão mais forte e o irmão mais fraco, com sonhos comuns escritos no bordo do barco que compram sem ter como pagar, perdem-se para todo o sempre nesse mar que cavalgam com o remorso, a loucura e a morte como tripulação.

quinta-feira

CHARLOTTE GRAY 

O filme intenso e a cores fêz de mim a protagonista. Uma Charlotte Gray (nunca escrevi sobre este filme, que é bem um dos da minha vida) que descobre, luta e perde um amor no curto espaço de tempo de uma guerra. É corajosa, vai atrás e é obrigada a desmobilizar por que as noticias que os ventos lhe trazem são de morte. Fica amputada mas não morre por dentro. Quer mas não consegue. A teia envolvente não deixou. O extremo desespero, amor aos camaradas que dela dependem, ódio pelo inimigo e o auto-controlo que lhe salva a vida, são o sal que lhe tempera os dias e as noites sem memória das saudades que viveu. Inglesa na resistência francesa, heroina anónima da causa comum, não é termo de comparação, infima figura eu sou. Mas também eu O descobri e em mim ficou colado, plasmado em todo o meu ser, a queimar e a querer ficar. E as memórias das minhas noites trazem-me as saudades do que não vivi. Encontrei-o, tem rosto, gostaria de ter sido maestro, mas é uma pessoa adiada e a batuta ficou para trás. E em breve será meu passado.Sem termos vivido o paraíso anunciado. Foi uma linda ilusão de entendimentos de alma, traída pela vida bem real. A nossa Charlotte enquanto procura um, encontra outro, afinal o tal da alma. Eu infelizmente, não me parece ter enganado, mas também não vou morrer por dentro. O sal cura as feridas e vai temperando a tristeza.E também há à volta quem se alimente de mim. E firme volto a alimentar eu este blogue. A terapia pelo cinema tem vindo a fazer o seu efeito. Cada mergulho amacia pela fuga de mim. Depois, a luz chama-me à realidade.

O FARDO DO AMOR 

Romance de Ian McEwan posto em filme.
Como é precária a normalidade e se rompe no instante em que um balão colorido se eleva no ar.
Dois amantes num tapete de mil verdes, que ficam suspensos, no preciso segundo em que um deles podia ter salvo uma vida. Ou pensou que podia. O remorso torna-se obsessão, as formas objecto da culpa e o mundo real entra em fluida transparência. Uma espécie de sonho que se transforma em pesadelo, invadido por uma personagem, fardo enviado por Deus para o adorar. Ambos cumplices por não terem salvo aquela alma da queda mortal. Evento irreparável, mas que surge como desígnio do Além, aos olhos do adorador, para os juntar.
Fardo de Amor e Culpa, diria eu. Grande transtorno para um homem-sombra, que leva uma vida sem estória e é obrigado a protagonizar o papel principal, sob o olhar preconceituoso de todos. Que se vai tornando raivoso e violento. Que para se libertar do homem que lhe declara amor eterno chega a pensar que o ama. A companheira pressente-o e o triangulo amoroso a surgir na sua pugança. Jogo de seduções, equívocos, esperas intermináveis, ciúme violento e cego que termina em clássica cena de facadas quase mortais. Então aquele homem agora desarmado de tudo, sai de cena e a normalidade reinstala-se.
Passa-se uma estação, a cura do tempo que tudo cura, a clarividência ganha espaço e no mesmo tapete de mil castanhos prometem-se a vida uma ao outro.

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